neste espaço reúnem-se textos que me podem servir de apoio, de várias áreas: pintura, escultura, ourivesaria, iconografia, iconologia, heráldica, emblemática, arquitectura, peritagem e avaliação de obras de arte, conservação e restauro...
nas numerosas citações, os direitos de autor são sempre respeitados, e peço a quem os usufrua, que também o faça.

O Tecido do Diabo











O Tecido do Diabo
uma história das riscas e dos tecidos listrados 
Michel Pastoureau
Editorial Estampa, 1994
ISBN 9789723311785




Durante a Idade Média, o vestuário listrado (ou seja, a presença de duas cores, bastando que seja um tecido de materiais diferentes) era sinónimo de transgressão ou de exclusão da ordem social por parte de quem assim trajava. Esta visão "diabólica" e degradante da risca alterou-se com o romantismo, e atualmente é sinal de liberdade, juventude e humor.

No ocidente medieval, era desonroso usar vestuário às riscas, seja ele bipartido (vestes partitae), listrado (vestes virgatae) ou axadrezado (vestes scatatae).

"Não usarás vestuário que seja tecido de lã e de linho"
Deuterónimo (22, 11)

As primeiras personagens a serem representadas ou descritas a usar a risca no vestuário, primeiro na iluminura, depois na pintura, seguindo-se os outros transportes) foras figuras bíblicas: Caim, Dalila, Saul, Salomé, Judas...

No século XIII, em França, os Carmelitas trazidos do oriente, confrontaram-se com esta questão cultural, do descrédito da risca e do opróbrio geral, usando um mando às riscas.

Chegaram mesmo a proliferar decretos relativos ao vestuário listrado, em que certos grupos em que certos grupos deviam usar roupa, ou pelo menos uma peça às riscas: as prostitutas (deviam usar um xaile, um vestido ou um cinto), os jograis e os bobos (pelo menos o jorro devia ser listrado), os carrascos (os calções ou o capuz), etc… Estes, são indivíduos que transgridem a ordem social, tal como a risca transgride a ordem cromática. Em terras de língua alemã eram incluídos os leprosos e os heréticos.

"A função destas leis sumptuárias e de vestuário (…) é certamente ética e económica, mas é, também e sobretudo, ideológica e social: trata-se de instaurar uma segregação pelo vestuário, devendo cada um usar o do seu sexo, do seu estado ou da sua posição." (p 24)

Até ao final da Idade Média, São José, era representado como um velho calvo, nunca aparecendo sozinho, nem colocado em primeiro plano. É no Renascimento que se assiste a uma promoção ligada à Sagrada Família, graças à intervenção dos Jesuítas e da arte barroca. Só em 1870 São José é proclamado padroeiro da igreja universal.
Numa imagem, um vestuário listrado destaca-se perante as restantes superfícies lisas, sendo conotado a maior parte das vezes como algo negativo. Mas este destaque também pode ser usado como conotação de ambiguidade, e foi o que aconteceu à iconografia de São José nos séculos XV e XVI. Agora menos desconsiderado, mas ainda não venerado, o seu estatuto particular é evidenciado dotando-o de um calção listrado (o que é diferente de ser uma túnica!).

Já o estampado foi sempre bem considerado, é uma superfície monocroma sobre a qual são dispostas figuras em intervalos regulares. Exprime qualquer coisa de solene, majestoso e sagrado. É usado nos mantos de consagração, objetos litúrgicos e imagens divinas.

Com a época moderna, a risca ganha novas formas e significados. Assiste-se à eclosão de uma risca valorizante. "O que caracterizava o estatuto do vestuário listrado no final da Idade Média e no início da Idade Moderna, é uma passagem bastante rápida do diabólico ao doméstico." (p 48)
Após a viragem de 1500, os escravos negros usam vestes listradas. A risca e o homem negro surgem com frequência na pintura e nas estampas. Em muitas representações da "Adoração dos Pastores", Baltasar, o rei negro, é dotado de um traje listrado, acabando por tornar-se um verdadeiro atributo iconográfico.

"A risca não é desordem; é sinal de desordem (…). A risca não é exclusão; é marca de exclusão." (p 104)


BALDUNG GRIEN, Hans Three Kings Altarpiece (open) 1507 Linden panel, 121 x 70 cm (central), 121 x 28 cm (each wing) Staatliche Museen, Berlin
Hans Baldung Grien
Three Kings Altarpiece (open)
1507
Staatliche Museen, Berlin

Sem comentários:

Enviar um comentário